Morte e Orixás

Em casa sempre escuto som alto, principalmente quando estou sozinho, mas não estava. Eu e as meninas estávamos curtindo um som no último volume. Quando bateram à porta eu já imaginava quem era. A vizinha do outro bloco estava grávida, e embora isso fosse digno de pena e compreensão, no caso dela não. Ela era muito chata, insuportável, por isso, sempre torcia o nariz quando ela vinha reclamar, desde antes da gravidez e isso não mudou.

De cara começamos a bater boca na porta do meu apartamento. Ela falava com o dedo em riste no meu rosto, com a outra mão, segurava a barriga como se pedisse uma esmola. Gritava e fazia inúmeras ameaças e a Déia me pediu para pegar mais leve e eu concordei em abaixar o som. Passou alguns poucos minuntos e meu sangue ainda fervia quando ela voltou com a síndica. Confesso que perdi a cabeça. Saí gritando e ela veio pra cima, eu a empurrei e ela caiu sentada, do jeito que grávidas não podem cair. Fiquei branco na hora. Ela começou a chorar e cuspia enquanto lançava pragas de todos os tipos, dizendo que se perdesse o bebê me mataria e faria da minha vida um inferno.

O clima ficou tenso. Eu desliguei o som e escutava os gritos da vizinha e seu marido, ele, que normalmente era calmo e sempre resolvia as pendengas, estava furioso. Abri a porta de novo e vi a síndica passando a corrente na porta que ligava um bloco a outro. Decidi sair do apartamento.

Eu e as meninas fomos à uma avenida perto de casa onde estava acontecendo um evento, uma espécie de procissão de orixás. Chegamos ao local e logo ela chegou. Estava com uma faca na mão e me ameaçou. As meninas atravessaram a rua e eu ficava fugindo e tentando controlar a vizinha. Eu não vou esquecer aqueles olhos fixos nos meus. Arregalados como se pudessem soltar raios mortais. Outro objeto pontíagudo preto apareceu marcando meu rosto. Nesse momento eu vi seu marido atravessando a rua correndo, escutei um barulho terrível e atravessei para o outro lado. Ela me seguiu, ele não.



Do outro lado me misturei à curiosa procissão de umbanda. Orixás vestidos de amarelo e dourado portavam máscaras e carrancas que não me assustavam. Eu precisava encontrar as meninas. A Deía estava com a Rafa no colo e a Alícia participaria da procissão junto com uma das filhas da vizinha.

Atravessei a rua de novo e algumas pessoas estavam olhando para dentro do córrego no canteiro central da avenida. Eu já sabia o que tinha lá, mas precisava ver para ter certeza. O corpo do marido dela jazia no fundo do córrego. A água era translucida e brilhante. "Ele tá morto, um caminhão pegou ele" disse uma ambulante que olhava pra baixo.

Minha cabeça doía e o enjoo tomou conta do meu corpo todo. No meio da rua tentei segurar a vizinha que agora não se preocupava mais comigo e gritava: "Eu preciso ver, eu preciso ver!!! Me solta, me solta!" Eu soltei. Descobri as meninas num buraco típico daqueles onde os drogados se escondem, mas havia muita luz lá. Entrei e contei pra Andrea o que tinha acontecido. No mesmo momento entra a Alícia e uma das filhas do casal, vestidas tipicamente para a festa dos orixás. Na hora que eu decidi contar à menina o que tinha acontecido ouvimos o grito alto de sua mãe que nos fez tremer de pavor.

Nessa hora eu acordei despesperado. Comecei a chorar e acordei a Andrea também. A visão que ficou na mente na hora foi o rapaz morto no fundo do córrego, mas a riqueza de detalhes me fez escrever esse sonho. Foi muito real, a sensação foi de ter vivido tudo isso. Algum motivo tem para que eu tenha sonhado isso. Eu imagino o que seja, mas pode não ser.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

My Name is not João!

Sampa crua

Realidade Freudiana - Tô aqui.