Democracia surreal
Essa reflexão tem o objetivo de imaginar os rumos da democracia e da própria humanidade considerando parte do passado e a situação atual. Digo parte do passado porque ainda não estudei história o suficiente para embasar uma teoria para o futuro político do mundo. Seria muita pretensão da minha parte desenvolver previsões para a caminhada do ser humano, com as novas (já antigas) preocupações com o meio ambiente, sabendo tão pouco da experiência cultural da humanidade, e também porque humanidade é muito abrangente.
Mas antes que o leitor abandone o texto, devo dizer que os apontamentos que vou expor, são reflexões racionais da liberdade de expressão. Liberdade tão exaltada anos atrás que hoje parece empecilho para uma democracia estável. Sejam bem-vindos à era da informação. Tudo ao alcance de todos num click. A partir desse ponto, vamos tentar compreender aonde o bicho homem quer chegar.
O mundo está em chamas. Tudo que é terra arde e nos fazem formigas retorcendo o corpo numa agonia globalizada. Os sobreviventes estão na fila de um imenso navio batizado de Arca de Noé dois – morte aos bichos. No guichê a atendente pergunta para onde vou. “Sei lá”, respondo. Sem mais perguntas ela emite o bilhete como todos os outros que emitiu, sem destino.
Com a exceção dos que morreram na terra, o resto da população mundial está no mesmo barco. Talhado há anos pelas mãos do capitalismo que transformou a sociedade numa massa tão incrivelmente homogênea, que não tem identidade. Os mais velhos contam como foram gloriosas suas revoluções e de como seus antepassados conquistaram o mundo nas infinitas cruzadas. O ouro, a cobiça, a força das armas, tudo era passado naquela embarcação. O plano era simplesmente fugir da morte imposta pela terra revolta.
Ao partir para o grande oceano de incertezas notei que a Arca possuía três diferentes patamares. Os ricos continuam na parte mais alta, olhando todos de cima para baixo. O andar do meio é gigante e povoada por pessoas solidárias, mas descrentes de si mesmas. Por baixo, os pobres de verdade comem-se uns aos outros em todos os sentidos da palavra para sobreviver. Quanto mais se precisa de gente, mais se come gente.
No passado, uma distante Guerra Fria fez refém nações que pouco ou nada queriam com as grandes potências. Antes disso ainda, um hemisfério todo espezinhou outro para ter mais conforto. A degradação resultante de tantas investidas contra tudo foi tão contundente, que a Terra deu seu sinal de alerta. O aquecimento global não veio eclodir por acaso na era digital. Foi tudo de caso pensado. Mais tecnologia, mais energia para impulsionar o monitor que agora reflete minhas ideias, mais aquecimento global.
A era industrial, dos grandes barões europeus, fez nascer o marxismo, que por sua vez, fez nascer o comunismo, que por sua vez, agonizou perante seu irmão capitalismo. Uma revolução barulhenta de máquinas e migração para a cidade grande asfaltada e brilhante. E não fosse pela constante arrogância americana, o mundo talvez tivesse dado certo. Pequenas ilhas poderiam sobreviver no comunismo, ao lado de vizinhos capitalistas que, volta e meia, deixariam seus excessos alimentá-los.
De volta ao barco, uma coisa me incomoda muito. Todos estão sorridentes e ainda seguram na mão o bilhete sem destino dado pela atendente do porto. Apesar da aparente irritação com o bilhete dos outros, ninguém se pergunta para onde estão indo. Falam abertamente de suas paixões, seus prazeres abandonados em terra firme, da jogatina, do futebol, mas ninguém se pergunta aonde vai. Me sinto como num sonho recorrente que tenho, em que estou pelado andando no colégio onde estudei e ninguém me nota. Às vezes, apareço de camisetinha, curta, deixando minha bunda e pinto de fora, mas todos sorriem como se eu não estivesse ali.
O tempo fecha geral. Ventos de uma tromba d’água faz voar chapéus e cadeiras. A grande Arca balança forte, sacudindo tudo, como se a terra tivesse descoberto o plano dos homens e decidisse acabar sua missão. Ondas enormes apontam no horizonte e joga muita gente pro mar. A Arca, quase sagrada, não se abala. Mantém seu curso na mesma velocidade, como se quisesse fugir, e foge.
Antes de recobrar a consciência sinto alguém mordendo minha perna. Na confusão, caí no último andar com os pobres que comem gente. Espantei o urubu num sacolejo e saí a procura de notícias. Notícia é o elo perdido entre conhecimento e informação. Alguns ricos também caíram no porão, mas ao invés de devorados, foram simplesmente ignorados. Muitos inclusive resolveram ficar, mas eu não. Eu voltei para o meu andar e as notícias não eram boas. Mais da metade da população mundial que restou na arca se fora.
Uns ainda conservaram o bilhete sem destino nas mãos. Outros machucados choravam a falta do que fazer, a quem pedir socorro. E o barco seguia a plenos pulmões para o nada. Lembrei do meu computador onde consumia uma infinidade de notícias sem regras, tipo superhipermídia! Meu Twitter, Orkut, Flickr e outros espaços cibernéticos que forçavam uma identidade virtual onde ninguém se conhecia fisicamente. Não fiz nenhuma nova amizade no navio. Voltava ao meu sonho consciente e passava invisível pelas pessoas.
Do outro lado da Arca, alguns homens se reúnem para tomar decisões. Platão teria sacudido no caixão vendo a cena de déspotas buscando um consenso. Enquanto os homens discutiam fervorosamente sobre a escassez pós-temporal, outro grupo fazia reparos no navio.
A Arca da humanidade é a que estamos agora. A grande maioria não sabe porque está lá, mas tenta se manter. Uma minoria tenta escapar do destino cruel de carregar indesejáveis cada vez mais próximos de si. A outra minoria pensa que é esta segunda, e simplesmente se felicita por mais um dia de orgias sujas e descontroladas.
A tempestade que passou foi a derrocada final do capitalismo. A calmaria que se seguiu foi a inércia da humanidade perante a falta de ideologias. A falta de um rumo a se seguir que pense no bem comum. Esta viagem me fez lembrar as grandes tragédias do extinto mundo real. Os terremotos e enchentes que eram sinais da Terra abandonada e esgotada.
Acordei em terra firme. Os governantes enfim chegaram num acordo de somente produzir o que se precisa, e nenhum deles foi eleito. Todos passaram seus cargos quando não se sentiram bem nele. Como um caminhoneiro cansado que sede seu lugar ao parceiro pronto e apto a tocar o caminhão. A falta de ideologias ou revoluções no mundo globalizado e conectado, alimenta a ideia de vazio producente. Nesta situação, resta apenas o consumo como fonte de razão para viver. Comprar um carro novo, o último celular, roupas e mais roupas sem parar, para afogar a falta do que fazer, e felizmente isso não acontece mais.
Assim, a democracia surreal em que vivemos nos leva a algum lugar que ninguém sabe onde é. G20, G40, G60, qual será suficiente? Ninguém deu atenção para o aquecimento global, virou piada pronta.
Acreditar no homem é confiar nesta Arca sem comandante. A fé carrega a culpa de se continuar tentando, e existirá sempre um horizonte a se mirar. A realidade é bem diferente, como uma tempestade constante criando conflitos a todo instante.
Mas antes que o leitor abandone o texto, devo dizer que os apontamentos que vou expor, são reflexões racionais da liberdade de expressão. Liberdade tão exaltada anos atrás que hoje parece empecilho para uma democracia estável. Sejam bem-vindos à era da informação. Tudo ao alcance de todos num click. A partir desse ponto, vamos tentar compreender aonde o bicho homem quer chegar.
O mundo está em chamas. Tudo que é terra arde e nos fazem formigas retorcendo o corpo numa agonia globalizada. Os sobreviventes estão na fila de um imenso navio batizado de Arca de Noé dois – morte aos bichos. No guichê a atendente pergunta para onde vou. “Sei lá”, respondo. Sem mais perguntas ela emite o bilhete como todos os outros que emitiu, sem destino.
Com a exceção dos que morreram na terra, o resto da população mundial está no mesmo barco. Talhado há anos pelas mãos do capitalismo que transformou a sociedade numa massa tão incrivelmente homogênea, que não tem identidade. Os mais velhos contam como foram gloriosas suas revoluções e de como seus antepassados conquistaram o mundo nas infinitas cruzadas. O ouro, a cobiça, a força das armas, tudo era passado naquela embarcação. O plano era simplesmente fugir da morte imposta pela terra revolta.
Ao partir para o grande oceano de incertezas notei que a Arca possuía três diferentes patamares. Os ricos continuam na parte mais alta, olhando todos de cima para baixo. O andar do meio é gigante e povoada por pessoas solidárias, mas descrentes de si mesmas. Por baixo, os pobres de verdade comem-se uns aos outros em todos os sentidos da palavra para sobreviver. Quanto mais se precisa de gente, mais se come gente.
No passado, uma distante Guerra Fria fez refém nações que pouco ou nada queriam com as grandes potências. Antes disso ainda, um hemisfério todo espezinhou outro para ter mais conforto. A degradação resultante de tantas investidas contra tudo foi tão contundente, que a Terra deu seu sinal de alerta. O aquecimento global não veio eclodir por acaso na era digital. Foi tudo de caso pensado. Mais tecnologia, mais energia para impulsionar o monitor que agora reflete minhas ideias, mais aquecimento global.
A era industrial, dos grandes barões europeus, fez nascer o marxismo, que por sua vez, fez nascer o comunismo, que por sua vez, agonizou perante seu irmão capitalismo. Uma revolução barulhenta de máquinas e migração para a cidade grande asfaltada e brilhante. E não fosse pela constante arrogância americana, o mundo talvez tivesse dado certo. Pequenas ilhas poderiam sobreviver no comunismo, ao lado de vizinhos capitalistas que, volta e meia, deixariam seus excessos alimentá-los.
De volta ao barco, uma coisa me incomoda muito. Todos estão sorridentes e ainda seguram na mão o bilhete sem destino dado pela atendente do porto. Apesar da aparente irritação com o bilhete dos outros, ninguém se pergunta para onde estão indo. Falam abertamente de suas paixões, seus prazeres abandonados em terra firme, da jogatina, do futebol, mas ninguém se pergunta aonde vai. Me sinto como num sonho recorrente que tenho, em que estou pelado andando no colégio onde estudei e ninguém me nota. Às vezes, apareço de camisetinha, curta, deixando minha bunda e pinto de fora, mas todos sorriem como se eu não estivesse ali.
O tempo fecha geral. Ventos de uma tromba d’água faz voar chapéus e cadeiras. A grande Arca balança forte, sacudindo tudo, como se a terra tivesse descoberto o plano dos homens e decidisse acabar sua missão. Ondas enormes apontam no horizonte e joga muita gente pro mar. A Arca, quase sagrada, não se abala. Mantém seu curso na mesma velocidade, como se quisesse fugir, e foge.
Antes de recobrar a consciência sinto alguém mordendo minha perna. Na confusão, caí no último andar com os pobres que comem gente. Espantei o urubu num sacolejo e saí a procura de notícias. Notícia é o elo perdido entre conhecimento e informação. Alguns ricos também caíram no porão, mas ao invés de devorados, foram simplesmente ignorados. Muitos inclusive resolveram ficar, mas eu não. Eu voltei para o meu andar e as notícias não eram boas. Mais da metade da população mundial que restou na arca se fora.
Uns ainda conservaram o bilhete sem destino nas mãos. Outros machucados choravam a falta do que fazer, a quem pedir socorro. E o barco seguia a plenos pulmões para o nada. Lembrei do meu computador onde consumia uma infinidade de notícias sem regras, tipo superhipermídia! Meu Twitter, Orkut, Flickr e outros espaços cibernéticos que forçavam uma identidade virtual onde ninguém se conhecia fisicamente. Não fiz nenhuma nova amizade no navio. Voltava ao meu sonho consciente e passava invisível pelas pessoas.
Do outro lado da Arca, alguns homens se reúnem para tomar decisões. Platão teria sacudido no caixão vendo a cena de déspotas buscando um consenso. Enquanto os homens discutiam fervorosamente sobre a escassez pós-temporal, outro grupo fazia reparos no navio.
A Arca da humanidade é a que estamos agora. A grande maioria não sabe porque está lá, mas tenta se manter. Uma minoria tenta escapar do destino cruel de carregar indesejáveis cada vez mais próximos de si. A outra minoria pensa que é esta segunda, e simplesmente se felicita por mais um dia de orgias sujas e descontroladas.
A tempestade que passou foi a derrocada final do capitalismo. A calmaria que se seguiu foi a inércia da humanidade perante a falta de ideologias. A falta de um rumo a se seguir que pense no bem comum. Esta viagem me fez lembrar as grandes tragédias do extinto mundo real. Os terremotos e enchentes que eram sinais da Terra abandonada e esgotada.
Acordei em terra firme. Os governantes enfim chegaram num acordo de somente produzir o que se precisa, e nenhum deles foi eleito. Todos passaram seus cargos quando não se sentiram bem nele. Como um caminhoneiro cansado que sede seu lugar ao parceiro pronto e apto a tocar o caminhão. A falta de ideologias ou revoluções no mundo globalizado e conectado, alimenta a ideia de vazio producente. Nesta situação, resta apenas o consumo como fonte de razão para viver. Comprar um carro novo, o último celular, roupas e mais roupas sem parar, para afogar a falta do que fazer, e felizmente isso não acontece mais.
Assim, a democracia surreal em que vivemos nos leva a algum lugar que ninguém sabe onde é. G20, G40, G60, qual será suficiente? Ninguém deu atenção para o aquecimento global, virou piada pronta.
Acreditar no homem é confiar nesta Arca sem comandante. A fé carrega a culpa de se continuar tentando, e existirá sempre um horizonte a se mirar. A realidade é bem diferente, como uma tempestade constante criando conflitos a todo instante.
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