Jóia Rara - parte 1

No apartamento sujo e escuro da rua Tibiriça não havia conforto nenhum, mas ele estava ali só de passagem. Seu carro, um luxuoso Chrysler, ficou na outra residência. Andava a pé pela vizinhança. Todo dia de manhã enquanto tomava seu café, espiava a vizinha do prédio da frente em seu delicioso ritual para acordar.

A bela morena dormia com pouca roupa. Levantava sempre às 7h, se descobria com os pés e esticava o corpo antes de sentar-se à beira da cama, às vezes com um leve sorriso, às vezes apenas com sono. Enquanto prendia o cabelo desgrenhado olhava pelas frestas da janela e depois abria todas as cortinas. Na mesma posição para não chamar atenção, ele apenas observava, a cada novo dia com maior interesse.

Outro dia ele viu um gato com ela. Durante seu desjejum, numa manhã de domingo, ele a viu levantar, e quando ela sentou na cama o gato pulou no seu colo. Seus longos cabelos o cobriram, suas caricias hipnotizavam e seu sorriso tinha um misto de malícia e ingenuidade próprio das crianças. Ela estava feliz e ele também.

Saiu para sua caminhada matinal sempre com o mesmo destino. Uma volta no quarteirão que levava ao centro comercial do bairro próximo ao centro da cidade. Passou perto das lojas de jóias que ficavam em seqüência na rua. Uma surf shop e outra loja de vestidos finos, todas fechadas. Na esquina, entrou na padaria e pediu um maço de cigarros, quando virou, a viu sentada no balcão e decidiu fazer o mesmo, dois bancos distantes dela.

Reparou discretamente em seus lábios projetados e macios, seus olhos quase puxados e delineados pela maquilagem, as mãos com dedos finos e unhas bem feitas. Apesar do frio, a camisa debaixo do sobretudo deixava à mostra o sutiã preto rendado e bem recheado. Ele pediu um café e desistiu de continuar olhando. Ela terminou o seu e ao passar por ele disse “cuidado ao levantar, seu tênis está desamarrado” e sorriu delicadamente.

Enquanto amarrava o tênis não tirou seus olhos azuis da morena. Eles brilhavam em fogo trazendo à tona quase um mês de admiração em silêncio. Agora sabia como era seu cheiro, sua voz e seu rosto. Decidido, levantou e foi atrás dela. No caixa agradeceu a dica do tênis e já perguntou seu nome. Saíram da padaria e sentaram-se na praça em frente. Conversaram por uma hora sem que ele revelasse seu segredo. Na despedida ela lhe entregou o telefone.

Perto demais

Na segunda-feira de manhã ele segurava o cartão com o nome Mônica grafado em dourado e o número de telefone. Passou a noite com ele nas mãos e quando amanheceu não tomou café. Ficou postado na janela observando entre frestas o sono profundo de sua musa. Ela acordou repetindo à risca seu ritual. Só de calcinha foi à janela e abriu bem as cortinas e se espreguiçou.

Ele não telefonou e a deixou partir pensando que teria apenas mais um dia naquele apartamento. Olhou em volta e soube que nada daquilo deixaria saudade, mas a janela sim. Abriu um mapa na mesa e ficou estudando com um cronômetro a mão. Saiu e fez seu tradicional trajeto pelo bairro. Entrou na loja de jóias, a primeira da rua e observou o balcão. Uma mulher veio atendê-lo, mas ele despistou e continuou olhar. Por fim, saiu da loja e voltou ao apartamento.

Não reparou que o nome da loja constava no cartão que estava em seu bolso da camisa. Passou o resto do dia entre pegar o cartão e ligar ou esquecer. Dormiu o resto da tarde e quando acordou reparou que as luzes do apartamento da frente estavam acesas e ela estava recebendo visitas. Um casal conversava na sala de estar e ela entrava e saia do quarto. Acendeu um cigarro e ficou ali até que o casal fosse embora e ela se deitasse.

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